Nativismo, Mutualismo e Protonacionalismo: activismos no contexto tardo-colonial africano

P25 – Nativismo, Mutualismo e Protonacionalismo: activismos no contexto tardo-colonial africano

Rui M. Pereira . FCSH-UNL
Eduardo Costa Dias . ISCTE-IUL

Os conceitos de protonacionalismo e nacionalismo referenciados ao contexto europeu e ocidental, como a já quase clássica definição de Hobsbawm (1994) ou mesmo as de Seton-Watson (1997) e o modelo de Greenfield (2001), são insuficientes para abarcar, compreender e explicar um conjunto de movimentos, sociais, religiosos, culturais, económicos e políticos – a ordem não é arbitrária – que emergiram no período imediatamente anterior ao aparecimento das primeiras formas organizadas e institucionalizadas de reivindicação nacionalista nos territórios colonizados em África, sobretudo entre 1930 e 1960. De uma forma ou de outra aqueles modelos partem da ideia de que a emergência do nacionalismo e o seu fortalecimento decorre do confronto com outras identidades nacionais. Ora, essa não foi, nem podia ser a motivação única, sequer principal, na emergência dos nacionalismos africanos. E muito menos o foram nesse conjunto de movimentos, de que foram exemplo as associações mutualistas, as sociedades profético-messiânicas da bacia do Congo, as cooperativas de agricultores do norte de Moçambique, o associativismo cultural africano e outras formas de activismo anticolonial que antecedeu e acompanhou a emergência das primeiras organizações políticas nacionalistas africanas. O sentido anticolonial dessas formas de activismo ficou dramaticamente expresso, p.ex., nos massacres de Pidjiguiti (Guiné-Bissau, 1959) ou Mueda (Moçambique, 1960). A resistência ao colonialismo e à subalternização das identidades motivou e alimentou esses activismos. Pinto de Andrade (1990; 1997) identificou o protonacionalismo africano na sequência dos movimentos nativistas que o precederam, entendendo-os como movimentos sociais, processos de resistência multiformes ao colonialismo que depois adquiririam uma hegemonia ideológica e política, na forma de organizações nacionalistas. Compreender a génese e o desenvolvimento desses primevos activismos africanos constitui o âmbito deste Painel.


Papers

Hoje, verifica-se, mesmo que timidamente, na academia e nas ruas cabo-verdianas um diálogo teórico com a africanidade e endogeneidade. Alguns autores, como é o meu caso, procuram complementar o pós-colonialismo com a perspetiva que designamos de pós-libertação, agregando contribuições teóricas de pensadores africanos sobre a situação (passada e presente) do continente, trazendo para a discussão as Agendas de Libertação. Trabalha-se na Academia e nas ruas no sentido da descolonização inteletual e desconstrução de perspetivas eurocêntricas, procurando purificar o corpus de referências (teóricas). Essas contribuições teóricas revelam que a luta que se trava vai ainda na direção à dês-alienação, o que exige um novo método discursivo que se apoia em histórias locais, que constituem uma força poderosa e interpretativa, valorizando a epistemologia dos autótones e trazendo os “conhecimentos escondidos” (Mafeje, 2001), textos sociais escritos pelas próprias populações, enquanto produtoras de conhecimentos. Esta comunicação pretende dar conta do novo ativismo inteletual sobre as questões africanas (história de África, filosofia africana, género, direitos humanos, cidadania, educação, etc) que tem surgido na sociedade cabo-verdiana, visando repensar a contemporaneidade e as suas agendas (importadas e endógenas) à luz de novas perspetivas.

 

Nardi Sousa . Universidade de Santiago- Cabo Verde . nardi.sousa@us.edu.cv

Estudarei a posição específica de transição ocupada pela Liga Nacional Africana ao longo dos ano 30 e 40 do século XX. Duas variantes a ter em conta: a questão identitária e a estratégia político-social dos ‘filhos da terra’. Um território peculiar em estudo: os textos poéticos e críticos publicados no Boletim da LNA nessas duas décadas.

 

Francisco Soares . Univ. Évora . fmasoares2@gmail.com

Como Jan Vansina famosamente resumiu: “o trilho do leopardo é o trilho do poder”. É sem surpresa, portanto, que em grande parte da África Ocidental e Central diversos movimentos políticos, anticolonialistas porque paralelos à ordem colonial, se valessem das insígnias de poder proporcionadas pelo felino. Seguir a emergência de figuras quiméricas como os ‘homens leopardo’, ngangas tornados ‘bruxos’, e as ‘seitas’ ou ‘sociedades secretas canibais’ permite seguir os trilhos do poder tradicional que, mantendo-se paralelo ou descentrado da ordem colonial, proporcionará as bases para o seu posterior questionamento radical. Neste paper propomos seguir esta pista, tal como ela sobrevém na obra Antropófagos de Henrique Galvão. Central a esta monografia, é o pânico colonial em relação a personagens que se situam no limiar de dois mundos: parte aninais, parte humanas; secretas, mas conhecidas e temidas por todos; garantes da governança, mas possíveis agentes do caos; próximas aos feiticeiros, mas envergando símbolos do poder legítimos. Os ‘homens leopardo’ e os ‘canibais’ são também quimeras porque, apesar de serem uma construção colonial resultante de uma releitura exótica e orientalista de tradições locais, parecem ganhar agência história. Levam assim a administração colonial portuguesa a tomar medias extremas, que revelam não só a sua fragilidade militar e administrativa, como prepotência. Se o “trilho do leopardo” é o “trilho do poder”, este cruza porém diversas ontologias. Percebê-lo, é essencial para lançar as bases de um entendimento dos subsequentes movimentos sociais e políticos angolanos, capaz de fazer justiça interpretativa à forma como diversas reclamações facilmente traduzíveis para o público ocidental amiúde se entrecruzam com agendas alheias à metafísica Europeia.

 

João Figueiredo . ICS-UL / CEIS20 UC . de.castro.maia@gmail.com

Discutir e compreender a imprensa enquanto canal privilegiado de propagação das ideias nativistas e protonacionalistas no espaço urbano das colónias portuguesas em África é o objectivo central desta comunicação. Entre 1870 e 1926 emergiu e consolidou-se em Angola e São Tomé e Príncipe um conjunto de jornais periódicos que tinham como agenda prioritária as ideias, as causas e os temas nativistas. A imprensa nativa e africana desenvolveu-se nestes territórios coloniais como sintoma das dualidades e contradições do projecto imperial português. Na génese desta imprensa estiveram associações e lideranças nativas (proprietários, comerciantes e profissionais liberais) que fizeram do jornalismo um instrumento para resistir ao programa colonial, para propagar a causa africana e reivindicar do poder local e central políticas e medidas que alterassem a situação laboral, económica, cultural e sociopolítica do povo africano. Através de estudos de caso de Angola e São Tomé e Príncipe, entre 1870-1926, esta comunicação irá discutir a imprensa enquanto espaço de divulgação das ideias protonacionalistas e da luta por melhores condições de vida para a população africana. A comunicação debate como a imprensa africana abordou os temas nativistas e protonacionalistas, destacando que as lutas nativistas foram travadas em três vertentes: a frente da resistência ao projecto colonial; o viés estratégico, com ideais e causas de médio e longo prazo; e o campo factual, com reivindicações pontuais. A comunicação procura compreender o papel desempenhado pela imprensa africana enquanto plataforma da disseminação do nativismo e o seu legado para os movimentos nacionalistas.

 

Isadora de Ataíde Fonseca . Instituto Politécnico de Setúbal . iataide@hotmail.com

Analisam-se as condições sociais de aproximação, entre o final dos anos 1950 e meados dos anos 1960, de intelectuais e ativistas brancos e negros brasileiros com militantes africanos, em sua maioria angolanos, no contexto de luta anticolonial. Procura-se, através de fontes variadas, mostrar um contexto de possibilidades aberto pelo debate, bem como sua corrosão pelas dificuldades enfrentadas por ambos os lados, institucional e cotidianamente, após o golpe de 1964 no Brasil. Esses intelectuais relacionaram-se através da Política Externa Independente do governo Jânio Quadros (1961-1964), que permitiu a vinda de bolsistas africanos ao Brasil, entre eles militantes do MPLA e apoiadores da descolonização. Este contato ajudou na criação do Movimento Afro-Brasileiro pela Libertação de Angola (MABLA) e teve consequências na vida política e cultural de intelectuais e ativistas interessados na causa da descolonização, em São Paulo e Rio de Janeiro, especialmente. Há poucos trabalhos sobre isso (destacando-se os historiadores Jerry Dávila e José Francisco dos Santos) e as fontes primárias se encontram em arquivos de jornais e/ou da repressão política brasileira (Departamento de Ordem Política e Social – DEOPS).
Mário Augusto Medeiros da Silva . Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP . mariomed@unicamp.br

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