Se há algo que parece dividir as organizações negras em diferentes países da diáspora, são as divergências a respeito da possibilidade de uma cidadania negra em sociedades racistas. No Brasil, ao mesmo tempo em que indicadores sociais e econômicos apontaram para melhoras sensíveis nas condições de vida da população negra nos últimos anos, cresceram de forma substantiva as taxas de encarceramento, letalidade policial e morte. A capacidade de assimilação plena e igualitária de sujeitos negros na formação social brasileira vem mostrando seus limites de forma explícita e a crise econômica e política pela qual passa o país parecem apontar para a necessidade de um ativismo negro calcinado em novas estratégias de luta capazes de articular as “sobrevidas da escravidão” nos embates do tempo presente. Para tanto, o texto pretende se debruçar sobre os vestígios da memória, os não-ditos, as sobras, o indizível que a história oficial pretendeu eliminar ou esquecer, partindo-se do pressuposto de que o reconhecimento do que não poderia ter acontecido é condição imprescindível para a perpetuação da barbárie. Amparado em parte da filmografia negra recente, pretendo levantar questões sobre as contradições entre as demandas atuais por “cidadania negra” e a política de esquecimento em tempos de genocídio.
Antonio Teixeira Lima Junior . Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada . antonio.junior@ipea.gov.br