Como Jan Vansina famosamente resumiu: “o trilho do leopardo é o trilho do poder”. É sem surpresa, portanto, que em grande parte da África Ocidental e Central diversos movimentos políticos, anticolonialistas porque paralelos à ordem colonial, se valessem das insígnias de poder proporcionadas pelo felino. Seguir a emergência de figuras quiméricas como os ‘homens leopardo’, ngangas tornados ‘bruxos’, e as ‘seitas’ ou ‘sociedades secretas canibais’ permite seguir os trilhos do poder tradicional que, mantendo-se paralelo ou descentrado da ordem colonial, proporcionará as bases para o seu posterior questionamento radical. Neste paper propomos seguir esta pista, tal como ela sobrevém na obra Antropófagos de Henrique Galvão. Central a esta monografia, é o pânico colonial em relação a personagens que se situam no limiar de dois mundos: parte aninais, parte humanas; secretas, mas conhecidas e temidas por todos; garantes da governança, mas possíveis agentes do caos; próximas aos feiticeiros, mas envergando símbolos do poder legítimos. Os ‘homens leopardo’ e os ‘canibais’ são também quimeras porque, apesar de serem uma construção colonial resultante de uma releitura exótica e orientalista de tradições locais, parecem ganhar agência história. Levam assim a administração colonial portuguesa a tomar medias extremas, que revelam não só a sua fragilidade militar e administrativa, como prepotência. Se o “trilho do leopardo” é o “trilho do poder”, este cruza porém diversas ontologias. Percebê-lo, é essencial para lançar as bases de um entendimento dos subsequentes movimentos sociais e políticos angolanos, capaz de fazer justiça interpretativa à forma como diversas reclamações facilmente traduzíveis para o público ocidental amiúde se entrecruzam com agendas alheias à metafísica Europeia.
João Figueiredo . ICS-UL / CEIS20 UC . de.castro.maia@gmail.com